Este
artigo exige uma reflexão sobre a aprendizagem do cuidar na morte,
centrada na pessoa do enfermeiro. A metodologia que orientou o estudo
foi de caráter qualitativo e utilizamos a técnica de análise de
conteúdo. Mobiliza como material empírico, o conteúdo de oito
entrevistas efetuadas a enfermeiros que exercem sua atividade
profissional nos Serviços de Hospitalização, com pessoas em fim de
vida. As linhas orientadoras são: compreender como a história de vida
do enfermeiro influencia o processo de cuidar do moribundo; compreender
como os enfermeiros vivenciam o processo de morrer e como o cuidado da
pessoa em fim de vida revela a essência do próprio momento de cuidar.
Os temas encontrados foram: a vida por um fio; uma vida que caminha ao
seu final; a vida e a morte se uniram e a aprendizagem do cuidado da
pessoa em fim de vida. Os enfermeiros consideraram que a pessoa em fim
de vida é um ser em relação e que o contexto influencia a forma como
estão com ela. Perspectiva de uma formação que privilegia novas formas
de estar com a pessoa em fim de sua existência.
Palavras-chave: cuidados de enfermagem, morte, enfermeiros.
Resumen
Este
artículo exige una reflexión sobre el aprendizaje del cuidado de
personas moribundas, centrada en la persona del enfermero. La
metodología que orientó el estudio fue de carácter cualitativo y se
utilizó la técnica de análisis de contenido. El trabajo utiliza como
material empírico, el contenido de ocho entrevistas efectuadas a
enfermeros que ejercen su actividad profesional en los servicios de
hospitalización, con personas en fin de vida. Las líneas orientadoras
son: comprender como la historia de la vida del enfermero influye en el
proceso de cuidado de personas moribundas; comprender como los
enfermeros viven el proceso de la muerte y como el cuidado de personas
en fin de vida revela la esencia del propio momento de cuidado. Los
temas encontrados fueron: la vida en un hilo; una vida que camina hacia
el fin; la vida y la muerte se unieron y el aprendizaje a partir del
cuidado de personas en fin de vida. Los enfermeros consideraron que la
persona en fin de vida es un ser en relación y que el contexto influye
en la forma en que están con la persona. El estudio tiene como
perspectiva una formación que privilegia nuevas formas de estar con las
personas en fin de vida.
Palabras clave: atención de enfermería, muerte, enfermeros (fuente: DeCS, BIREME)
Abstract
This
paper entails a reflection about learning how to take care of a dying
person, focused on the nurse. The methodology that guided the study was
qualitative and used the content-analysis technique. The work uses, as
empiric material, the content of eight interviews made to nurses
serving in Hospitalization Services with dying persons. The guiding
lines are: understanding how the life history of the nurse has a bear
on the process of death and how taking care of dying persons reveals
the essence of the care moment itself. The subjects found were: life
hanging in the balance; life path coming to an end; life and death
together, and learning from the care of dying persons. Nurses consider
that dying persons are well-related individuals and context influences
the way they are with others. The study envisages a formation that
privileges new forms of dealing with dying persons.
Keywords: nursing care, death, nurses, male
INTRODUÇÃO
A
morte é um fato a viver e, como tal, faz parte da vida. Ela adverte e
conduz, sob diferentes interpretações, a muitas questões: “O que faço
neste mundo?”, “Qual é o sentido da minha vida?”, entre outras. Se
assim não acontecesse, a morte só seria analisada na sua realidade
última, ou seja, no seu significado mais radical de “cessação”, o que
implicaria transcendermos absolutamente a vida (1). Dessa forma, a
morte não poderia ser discutida nem compreendida, e a questão do seu
sentido não se levantaria.
A transferência do local da morte, do
domicílio para o hospital, é parte integrante do seu processo de
dissimulação. Assim como o nascimento, a morte também deixou de
acontecer em família. Essa transferência implica um (re)ajustamento da
estrutura hospitalar que, concebida para prestar cuidados tendentes a
curar a doença, não encontra, muitas vezes, resposta para as pessoas em
fim de vida. Por falta de verbas, de camas e de pessoal, os enfermeiros
têm tendência para se desinteressarem das pessoas em fim de vida (2).
Os
profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros, sentem-se
desarmados perante a angústia das pessoas em fim de vida, com as quais
têm dificuldade em estabelecer uma relação de ajuda (3).
Assim,
considerei pertinente compreender “Como se formam os enfermeiros, na
sua prática profissional, para cuidar das pessoas em fim de vida?” o
que constituiu a questão condutora da investigação.
Como linhas orientadoras, tracei as seguintes:
– compreender como a história de vida do enfermeiro influencia
o processo de cuidar da pessoa em fim de vida;
– compreender como é que os enfermeiros vivenciam o
processo de morrer;
– compreender como o cuidar da pessoa em fim de vida
revela a essência do próprio momento de cuidar.
As
motivações que me levaram a enveredar por esta temática foram: em
primeiro lugar, as minhas vivências durante a infância e juventude com
familiares doentes crônicos e, em segundo lugar, na minha vida
profissional, em que fui frequentemente confrontada com a morte, quer
dentro do hospital quer na sociedade. Muitas questões foram-me
colocadas tanto por familiares quanto por amigos: “Como se pode
conviver com a morte?”, “O que fazer perante a morte?” Todos esses
aspectos me obrigaram a refletir sobre o processo de cuidar da pessoa
em fim de vida, e a reflexão mais profunda surgiu posteriormente na
minha vida profissional.
Por outro lado, a formação que os
enfermeiros vão adquirindo para cuidar das pessoas em fim de vida
ocorre em locais específicos – nas escolas e nas organizações de saúde.
A relação que estabelecem com esses locais cria oportunidades que levam
ao desenvolvimento de estratégias para a sua formação ao longo da vida.
Nesse contexto, a aprendizagem é vista como dependente do contexto em
que se processa e das experiências que vivem, bem como das
interpretações que lhes dão. E, quando se tornam capazes de perceber
essas experiências através de quadros de referências, tornam-se,
também, capazes de atribuir-lhes sentido. Naturalmente que se tratam de
processos multidimensionais de aprendizagens que ocorrem, não só nos
contextos formais mas também em
contextos informais, como sejam a família, a sociedade e os órgãos de comunicação social.
A
partir das reflexões que fiz sobre a morte e sobre a relação dos
enfermeiros com essa realidade, enveredei para uma pesquisa,
direcionando a atenção para uma temática até há pouco tempo raramente
abordada na sociedade, na formação e na investigação.
OPÇÃO METODOLÓGICA
Para
o desenvolvimento de qualquer disciplina é primordial identificar os
modos como os fenômenos são compreendidos e experienciados (4). Estes
autores salientam que é a abordagem qualitativa aquela que permite ao
investigador ter acesso à riqueza das experiências das pessoas em
profundidade sendo a forma de descobrir fenômenos e de documentar fatos
desconhecidos sobre as pessoas, acontecimentos das pessoas em estudo,
considerando-a o principal método para, entre outras, descobrir
essências, significados e sentimentos (5).
Assim, a abordagem
qualitativa, fundamentada em dados é a mais indicada para o meu estudo.
Com ela, pretende-se “uma descrição, análise e compreensão, isto é, uma
pesquisa que seja direcionada para a descrição experiencial (4). Tive
como referência a teoria de Jean Watson para a análise de dados.
SUJEITOS DO ESTUDO
Numa
investigação qualitativa, a dimensão da amostra não é diretamente
proporcional à informação que se pretende obter. Assim, torna-se
oportuno obter uma informação rica e útil, que possibilite fazer um
estudo em profundidade e que esclareça o fenômeno, pois a riqueza da
informação nem sempre vem de “alguém”, que designamos no senso comum
por “expert”, mas sim de “alguém” capaz de refletir e descrever
detalhadamente o fenômeno, pelo qual se impõe que os sujeitos não sejam
selecionados de forma aleatória, mas, em função do conteúdo da
informação – esses estudos são, habitualmente, reduzidos a amostras
pequenas. Destarte, utilizam-se critérios para a seleção da amostra (6).
O
estudo realizou-se nos serviços de Medicina I, II e III e serviço de
Cardiologia do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo, nos
Açores, Portugal.
A seleção desses serviços deveu-se ao fato de,
nessas unidades, existirem mais pessoas em fim de vida. Definiu-se,
como universo do nosso estudo, os 45 enfermeiros que desenvolviam a sua
atividade profissional nos serviços referidos. Para solicitar a
participação dos enfermeiros, afixamos cartazes nos locais de trabalho
já citados, tal como Clarke (7) e Pires (8) que efetuaram estudos sobre
o cuidar na prática de enfermagem.
Antes da afixação dos
cartazes, foi solicitada autorização à Direção de Enfermagem da
Organização de Saúde, através de requerimento, no qual estava
especificado o tipo de estudo que se pretendia efetuar e quais os seus
objetivos.
Os cartazes continham a minha apresentação e a das
linhas orientadoras do estudo, bem como os requisitos pretendidos para
a participação dos enfermeiros.
Os critérios estabelecidos para a seleção dos sujeitos do estudo foram:
– os enfermeiros trabalharem há mais de cinco anos, naquele serviço1;
– quererem disponibilizar-se para partilharem as suas vivências enquanto cuidadores da pessoa em fim de vida;
– terem vivido a experiência da morte de uma pessoa significativa2;
– aceitarem a gravação da entrevista.
Após
definição desses critérios, contemplados na escolha dos sujeitos,
acatou-se os aspectos éticos que devem estar subjacentes a qualquer
tipo de pesquisa.
Antes de iniciar o estudo, solicitei
autorização à Direção de Enfermagem da Organização de Saúde, através de
um requerimento, no qual estava especificado o tipo de estudo que
pretendíamos efetuar bem como o consentimento informado. Este, foi
analisado pela Comissão de Ética que deu parecer favorável.
Nas considerações éticas, orientei-me pelos princípios descritos por Patton(10):
– foi necessário pedir autorização para a realização das entrevistas;
– no início das entrevistas, foram expostos e clarificados os objetivos do estudo;
–
foi garantida a confidencialidade da identidade e assegurado que a
utilização dos dados se destinaria para o estudo presente e não para
outros fins;
– o consentimento informado foi outro aspecto a levar
em conta quando se solicitou, aos sujeitos, a autorização para a
gravação das entrevistas.
PROCEDIMENTOS NA COLETA DE DADOS
Após
ter afixado os cartazes nos diferentes serviços, os enfermeiros foram
também informados da forma como poderiam participar no estudo. Assim,
disponibilizei uma folha de papel anexada ao cartaz, em que poderiam
inscrever-se.
– A relação interpessoal que tinha com os enfermeiros, facilitou o desenvolvimento da coleta dos dados.
– Identificou-se, com os enfermeiros, quais os momentos mais oportunos do dia para a realização das entrevistas.
Um
outro procedimento, que, simultaneamente, foi uma preocupação,
centrou-se no estabelecimento de um conjunto de condições físicas e
humanas3 que permitissem salvaguardar o respeito e a dignidade da
pessoa entrevistada, ao longo de uma temática que pode ser considerada
“delicada”, quer para o investigador quer para o entrevistado.
As entrevistas foram efetuadas nos meses de junho e julho de 2000, no local de trabalho dos enfermeiros.
INSTRUMENTO DA COLETA DE DADOS
A
técnica utilizada para a coleta de dados foi a entrevista
semiestruturada. Esse tipo de entrevista permitiu uma determinada
flexibilidade para nos centrarmos e aprofundarmos a área temática, bem
como podermos clarificar ou explorar o que se pretendia: “é levada a
cabo com o uso de questões de entrada, pré-determinadas, incorporadas
para ajudar o entrevistado a refletir sobre o fenômeno a partir do seu
quadro de referência (4). Essas questões são necessárias à explicitação
das vivências por parte dos sujeitos, conferindo também consistência na
obtenção dos dados para facultar uma análise posterior (6).
PROCEDIMENTOS NA ANÁLISE DE DADOS
A
análise dos dados iniciou-se com a transcrição das 8 entrevistas que
constituíram o “corpus”, pois o material a analisar é produzido com
vista à pesquisa que o investigador se propõe estudar.
Como
técnica de tratamento de informação utilizou-se a análise de conteúdo
que é uma técnica que pode ser integrada em qualquer nível e tipo de
procedimentos lógicos de investigação empírica (11). Não tive nenhum
esquema de categorização prévio para analisar os dados.
Após a
transcrição do conteúdo das 8 entrevistas, estas foram analisadas,
tendo sempre presentes as linhas orientadoras do estudo. Essa estrutura
variou de enfermeiro para enfermeiro (de uma forma mais vincada do que
noutras). Numa fase inicial, o objeto de análise foi achar a estrutura
do tema em cada caso (12).
Para analisar as entrevistas, segui os passos recomendados por Jean Watson (12):
–
Ler e reler cada entrevista a fim de se ter o sentido do todo. Nestas
primeiras leituras sublinhei as descrições dos enfermeiros, isto é,
frases que, à partida, poderiam apresentar-se como unidades
significativas e os potenciais temas em que poderiam inserir-se.
–
Em seguida, fiz uma leitura mais atenta, para encontrar depoimentos
significativos. Nestes, incluí frases e afirmações relacionadas com o
tema em estudo. Verifiquei que algumas delas eram interrompidas por
outras afirmações e, mais à frente, o seu sentido era retomado. Algumas
das afirmações relacionavam-se de forma indireta com o tema em estudo,
sendo “guardadas” para a discussão dos dados.
Durante este procedimento Watson recomenda que nos interroguemos: “Isso traz algo de diferente em relação ao que já foi dito?”
–
Das frases significativas começaram a surgir significados que foram
selecionados e agrupados. Nalgumas frases, foi necessário acrescentar
uma ou outra palavra, que foram colocadas entre parênteses e, noutras
frases, tive necessidade de fundi-las, a fim de se completarem e
dotarem de sentido as unidades significativas.
– Seguidamente,
confrontei as diversas unidades significativas de cada entrevista,
procurando as semelhanças e as diferenças, reduzindo-as àquelas que
caraterizavam as experiências. Fiz o seguinte percurso: incluí na
experiência descrita, preocupando-me, essencialmente, com as
frases-chave que a descreviam; interpretei o significado dessas frases
e obtive o sentido dessas interpretações.
Dessa forma,
utilizei espontaneamente a imaginação ou outro proceso mental, de forma
a que confirmasse que as afirmações, unidades de significação,
expressas pelos enfermeiros, apreendiam a essência da questão.
–
O sentido do discurso dos enfermeiros levou em conta a minha intuição
durante as várias leituras das entrevistas, com os respectivos
silêncios e as emoções dos entrevistados. Assim, surgiu a compreensão
do sentido das unidades de significação.
Por fim, integrei as unidades significativas num todo e formei a estrutura compreensiva.
Formada
a estrutura compreensiva das unidades de significação expressas pelos
enfermeiros, achei pertinente fazer a sua validação. Individualmente,
cada enfermeiro fez a leitura e a apreciação da compreensão das
unidades significativas, não se tendo verificado qualquer alteração na
estrutura compreensiva. Pois, validade em investigação qualitativa
refere-se à obtenção de conhecimento e compreensão da verdadeira
natureza, essência, significados, atributos e caraterísticas de um
fenômeno particular sob estudo. A medida não é a finalidade, mas,
antes, conhecer e compreender o fenômeno (5).
A análise dos
dados considerou os temas encontrados, analisados à luz da teoria da
Jean Watson, assim como a mobilização de outros autores que ajudaram a
esclarecer o fenômeno.
Constatei
que os enfermeiros reconhecem que as pessoas de quem cuidam têm
pressentimentos em relação ao momento da sua morte. A imagem que
apresentam e as fases que podem atravessar no seu percurso de morrer
ajudam os enfermeiros a intuir que a vida da pessoa pode estar por um
fio. A conscientização que a vida da pessoa está se extinguindo leva
esses enfermeiros a proporcionar-lhe conforto e a interrogarem-se: “Está ou não sofrendo?”, “Tem ou não dores?”, “Qual o posicionamento que prefere?”.
Há, de fato, uma preocupação crescente com o bem-estar da pessoa, à
medida que a (sua) vida está a unir-se à (sua) morte. É um momento de
grande densidade humana, em que a pessoa está “partindo” e em que o
enfermeiro está presente, ajudando-a a encontrar um sentido para aquele
momento único. E, assim, o enfermeiro vai interiorizando a ideia da sua
própria morte, ajudando-se a “viver a vida”, ou seja, “não passa ao
lado da vida”.
A aprendizagem do cuidar da pessoa em fim de vida
pode traduzir-se em quatro períodos, que denotam um processo de
autoformação, ecoformação e de heteroformação da pessoa do enfermeiro,
que sobressai do enfermeiro que aprendeu a ser (13)4.
A
análise dos dados foi, muitas vezes, ilustrada com citações extraídas
das entrevistas, pretendendo, assim, demonstrar mais facilmente as
perspetivas dos enfermeiros. Recorri também às várias citações dos
autores que me ajudaram a compreender e a fundamentar a análise.
Apresento a seguir os temas encontrados.
A VIDA POR UM FIO
A
imagem de pessoa em fim de vida esteve presente no discurso dos
enfermeiros. “Os doentes têm os seus pressentimentos que são
verdadeiros” (E 1); “há algo na pessoa que nos diz que está morrendo, que ele tem poucos dias ou horas de vida” (E 2).
O
enfermeiro acredita que a pessoa vai morrer em breve, mas não encontra
explicações racionais para essa forma de pensar: há no ar o cheiro da
morte!, o que o leva a dizer: “olho para um doente... e acho que ele vai morrer (...) não é que tenha visões, nada disso... é estranho!” (E 6).
Mas,
às vezes de uma hora para a outra, a situação da pessoa modifica-se e
não dá tempo para o enfermeiro se aperceber da iminência da morte.
Nesse contexto, emerge uma questão: “O que é a morte?”(E
2). Pensar no que é a morte, nomeadamente nas suas causas, é, na sua
essência, olhar para o modo como vivemos: os estilos de vida ou de
morte que adotamos, as pessoas que encontram, ou não, sentido para a
sua existência. Mas a morte, ao ser vivida por qualquer um de nós,
resulta sempre da experiência que fazemos da morte de uma outra pessoa,
que ocorre no corpo de outra pessoa. É, com certeza, na nossa relação
com os outros que a morte acontece.
O percurso da morte
Encontramos a pessoa em fim de vida numa labuta, negando a sua própria morte e exclamando: “não pode ser!” (E
3). A pessoa pode aparecer revoltada, várias vezes durante o dia por
curtos períodos de tempo. Nesses momentos, pode lançar questões, tais
como: “estou morrendo?”, “vou morrer hoje?”, “não quero ficar sozinho”, “como vai ser?” (E 6).
Seguidamente,
a pessoa compreende que a sua morte é inevitável e começa a desenvolver
os mecanismos de negociação, pois, parece que esse período de tempo a
ajuda a se manter viva até o fim e, assim, “pede(m) tempo para ir ao casamento dos netos”
(E 3). Nessa fase de negociação, cumpre todas as indicações
terapêuticas e pode dedicar mais tempo à parte espiritual. E quando
começa a entrar numa tristeza profunda, “quase de luto pela sua própria
morte” (3), está entrando na penúltima fase: a depressão.
A
depressão vai surgindo à medida que a pessoa encara as múltiplas perdas
a que está submetida. Kubler Ross (14) sintetiza-a como sendo a fase em
que há pouco a dizer e mais para escutar. Muitas vezes encontramos a
pessoa em fim de vida deitada “sobre si própria”, isto é, cabisbaixa.
Ao entrar na fase de aceitação – “estou para pouco”
(E 3), aceita a sua morte. Ao preferir ficar sozinha, vai-se desligando
do mundo exterior e, depois de ter atingido o “prazo”, entrega-se
serenamente à morte. Nessa fase, o enfermeiro acompanha-a e encontra
sentido racional e emocional para o momento.
A esperança
O enfermeiro, também, reconhece que a esperança acompanha sempre a pessoa em fim de vida: “o doente tem sempre esperança” (E 3). Simultaneamente, o enfermeiro instila fé e esperança em si próprio para o seu dia a dia (“tenho uma santinha na porta do meu aposento... e que olho para ela e peço muita saúde e competência para o dia que se vai seguir”) (E 4) e tem fé em algo transcendente que o ajuda: “acredito que há algo que me ajuda... não sei explicar” (E 4).
Acredito
que a esperança é uma força interior e dinâmica que funciona como uma
maneira de pensar e sentir, representando a forma como nos comportamos
conosco e com os outros (3). É certo que muitos de nós desejam uma vida
longa e que uma doença grave, muitas vezes, nos confronta com o nosso
fim de vida, gerando incertezas em relação ao futuro.
UMA VIDA QUE CAMINHA PARA O FIM
Ao
mesmo tempo que se centra na pessoa, o enfermeiro demonstra interesse
pela forma como ela está vivendo o seu fim de vida e envolve-se
afetivamente com ela. Quando parece que nada mais de importante há para
fazer, as “pequenas coisas”, como “dar-lhe a mão”
(E 5), assumem uma importância que proporciona bem-estar, cuja dimensão
muitos de nós desconhecemos e, por isso, talvez, nem valorizamos.
Cuidados de manutenção e de reparação da vida
A prioridade consiste em proporcionar-lhe conforto: “ter o doente confortável” (E 5). Nesse contexto, concretizase a forma de proporcionar conforto: “mudá-lo
de hora em hora ou de três em três horas, se faz a barba todos os dias,
se gosta do pijama abotoado ou desabotoado, se gosta das pantufas azuis” (E 8); “não
deixar morrer o doente com sede que eu acho muito importante e deve ser
muito aflitivo estar com os lábios extremamente secos e não ter ninguém
para os umedecer” (E 5).
Por outro lado, os enfermeiros
sentem dificuldades na interação com a pessoa em fim de vida, porque
admitem que é preciso conhecê-la e, às vezes, reconhecem que são uns
estranhos.
Dificuldades dos enfermeiros
Os
enfermeiros tem dificuldade em gerir a sua presença junto dessa pessoa,
talvez seja porque não têm conhecimento de como ela é: “tenho dificuldade em dosar o nível de proximidade na interação com o doente, porque, às vezes, não tenho dados sobre ele” (E 2).
O enfermeiro também pode encontrar dificuldades perante os colegas: “tenho dificuldade em dizer ao colega porque é que ele (doente) está ansioso” (E 2), pois não quer ser ridicularizado devido à forma como encara a morte: a “forma de pensar a morte dificulta o relacionamento com a equipe de saúde” (E
8). É essencial que todos os integrantes da equipe de saúde olhem a
pessoa na sua globalidade, mas não existe um grupo coeso, “falta espírito de grupo”
(E 3), e, como tal, não há reflexão dos pontos de vista de cada um, das
crenças, das interações e das experiências pessoais e discussão sobre
eventuais medos e receios. “Não sabem estar perante a morte (...) riem, fazem comentários”
(E 5). Dessa forma, torna-se urgente uma nova cultura organizacional,
em que os gestores sejam pessoas que tenham competências para elaborar
novos modelos de cuidados.
O contexto
Independentemente
dos modelos de cuidados, é fundamental não dissociar a doença da pessoa
em fim de vida, e o interesse da doença não pode suplantar o interesse
pelo doente (13). E o enfermeiro questiona-se: “Será que um computador não fazia?” (E 3). Eis uma questão que parece traduzir a falta de sentido para os cuidados que a equipe vive coletivamente. “É impossível continuarmos a valorizar mais o fazer do que o ser” (E 5), como diz outro enfermeiro, isto é, “tudo o que é da ordem da eficácia, e isso em detrimento da afetividade” (15).
A VIDA E A MORTE UNIRAM-SE
Acreditar
que a pessoa que cuidamos é única é algo que se reflete na relação
estabelecida. O enfermeiro, ao cuidar da morte da pessoa como cuidaria
da sua vida, assegura uma presença física efetiva, demostrando-a na
expressão dos seus comportamentos, assim como na vigilância à pessoa em
fim de vida durante a noite: “não tenho medo de ir às salas de noite” (E 7). Por quê?
Watson (12) refere que as emoções têm um papel fundamental no comportamento dos enfermeiros. Mas o enfermeiro justifica-se: “não tenho medo dos espíritos” (E 7). Que espíritos são esses que andam à nossa volta? E, após a morte, o espírito divorcia-se da pessoa?
A
explicação para essas questões poderá não estar na sua importância, mas
na necessidade profunda de o enfermeiro procurar, em vão, atribuir um
significado aos seus comportamentos, por vezes criticados e
classificados como inadequados mesmo recorrendo à metafísica, numa
busca eterna de respostas para os outros e, quiçá, para ele próprio.
Comunicação com a pesso a em fim de vida
Um dos constrangimentos na comunicação com a pessoa em fim de vida tem a ver com o tempo de vida que lhe resta viver.
A
informação adequada a dar à pessoa pressupõe o seu conhecimento,
enquanto pessoa, a fim de conhecermos quais são as suas expectativas em
relação à doença e aos eventuais tratamentos instituídos e o que deseja
saber. Relembro: “estão à espera que a gente lhe diga alguma coisa (...) fico naquela: será que o doente sabe o que tem?” (E 2). Mas esse enfermeiro acrescenta: “é extremamente difícil lidar com essas coisas (...) o doente anda de um lado para o outro” (E 2).
A consciência que tem da vida levou o enfermeiro a se conscientizar da sua morte: “penso mais na morte” (E 6); “a morte tem que ser olhada com outros olhos”
(E 2). Apesar da sua consciência não experienciar nunca a morte, vive a
vida com a presença empírica da sua morte e interroga-se como vai ser a
sua própria morte. É essa consciência de finitude (“a morte aparece de surpresa e, às vezes, sinto que não merecia estar numa situação de pré-morte” – E 2) que o leva a estabelecer limites no contexto do que vive e do que poderá viver: “se estiver numa cama e precisar me coçar e não falar, como me vou expressar?”
(E 6). É nesse tempo que desenvolve as suas atividades, desenvolve-se e
se interroga sobre as vicissitudes da vida, tendo presente a
inevitabilidade da sua morte.
“Devíamos pensar na morte”
(E 5; E 7), dizem os enfermeiros. Embora a morte esteja sempre presente
nas nossas vidas, ela surge como uma necessidade inerente à nossa
existência. A oportunidade que temos de viver é um privilégio que nos é
oferecido pela própria morte; se bem que a morte possa aparecer de
repente, levando à separação das pessoas que amamos, é a sua
invencibilidade que dá sentido e nos conduz no dia a dia.
Mistério da morte
Representamos
o “outro lado” de duas maneiras: por um lado, sem aspecto e sem forma,
mas que invade o nosso ser e, por outro, vemo-lo nítido, todo poderoso
e que ocupa todos os nossos sentidos. Quando a morte desce até nós,
muda inevitavelmente a nossa vida, muda-lhe a forma e é o que
encontramos no discurso dos enfermeiros: “interrogo-me sobre a morte porque é um mistério” (E 5). Esperamos por uma certeza que aqui nunca chegou (“nunca ninguém veio aqui dizer como é outro lado”),
e a pessoa sente-se na obrigação de esperar o que ainda não concebe. O
que imaginamos e desejamos “é saber se o desconhecido, para onde vamos,
será ou não para recear” (16). Quando tentamos definir o desconhecido,
analisá-lo e compreendê-lo, faltam-nos as palavras ou então criamo-las
para aquilo que tentamos negar. Conceber o desconhecido, o “nada”,
torna-se, na nossa opinião, divergente com a razão, oposto à nossa
inteligência que se esforça por iluminar o que está nas trevas, visto
que chamamos nada a tudo que escapa aos nossos sentidos ou à nossa
razão, e que existe sem o sabermos (16).
A APRENDIZAGEM DO CUIDAR DA PESOA
EM FIM DE VIDA
Optei por circunscrever este tema a quatro períodos: um, inicial da vida profissional – a iniciação; outro em que parece vingar a conscientização de uma práxis – a interiorização; um terceiro relativo a um cuidar tradutor de competência profissional – a competência5;
e ainda capacidaum outro, em que a prática profissional parece depender
também de um quadro construído pelo enfermeiro ao longo da sua vida – a
formação pela experiência6.
A iniciação
Inicialmente, as experiências descritas pelos enfermeiros refletiam o medo e o susto quando tocavam o corpo da pessoa: “Quando acabei o curso pensava... olha, morreu, morreu, paciência”
(E 4); mas é sobretudo no face a face com a morte da pessoa que cuida
que o enfermeiro tem a sensação de que não é possível fazer mais nada (“sentia-me impotente” – E 7), ou até de querer ajudar mas sem saber como, pois a intenção é conduzida por uma representação de sentido (“a gente vem cheio de boas intenções que eram diferentes do agir” – E 8), ou que esse momento é muito pouco gratificante (“a gente tanto que faz e recebe-se ingratidão” – E 4).
A interiorização
Na
conscientização dos cuidados prestados pelos enfermeiros à pessoa em
fim de vida, um aspecto que parece fundamental foi a interiorização da
unicidade do ser humano: “a gente, às vezes, deixa para trás, esquecese que está ali uma pessoa única”
(E 2). Constatei que, ao perceber a proximidade da morte, interiorizam
que a vida da pessoa acaba, mas salientaram a individualidade da
pessoa: “nunca mais vai haver uma como ela”
(E 8). Isso me leva a pensar que os enfermeiros compreenderam que a
pessoa que cuidavam tem uma história única, um percurso de vida
singular.
A competência
Possuir
conhecimentos não significa ser competente, pois a competência não é um
estado ou um conhecimento possuído. Esta não se reduz nem a um saber
nem a um saber-fazer. Ser competente supõe a apreciação do outro
enquanto pessoa. De início, o enfermeiro surpreendeu-se ao ver a pessoa
falar da sua morte com naturalidade: “o senhor falava com toda a naturalidade da vida que tinha tido e da morte que ia ter”
(E 7). Mais cedo ou mais tarde a pessoa percebe/intui que a sua morte
está próxima, e o enfermeiro não se sente preparado para falar
“abertamente” sobre esse acontecimento. De fato, nós não fomos
preparados para ajudar a morrer, mas sim para ajudar a viver.
Confrontarmo-nos com os nossos sentimentos em relação à morte e ao
morrer é excessivamente violento para a nossa sensibilidade. Mas, com o
tempo, ficamos mais despertos para as situações com que nos
confrontamos: “o confronto com as situações e analisá-las, o não ter pressa (na prestação) de cuidados” (E 8, p. 3).
A formação pela experiência
A
prática profissional depende do quadro interpretativo de cada pessoa e
que este se constrói ao longo da vida por influência de diversos
fatores, traduzindo-se pela individualidade da forma de pensar, sentir
e agir (18) “tentar perceber porque
é que a (pessoa) que está à nossa frente (...) está reagindo daquela
forma (...) ajudou-me um bocado nos doentes que estão revoltados,
deu-me mais capacidade” (E 7).
“Nunca tive experiências familiares (de morte)” (E 2); “nem
de pessoas significativas (...) não é preciso ter experiências
familiares... tornar-se naquilo que ela deseja; pode ser o religioso, o
amigo (...) o enfermeiro” (E 8).
Algumas respostas dadas pela próprios enfermeiros parecem ser estratégias que eles próprios encontraram: “sozinho... com a minha cabeça” (E 8); “consoante as minhas necessidades” (E 3). Encontrei outras estratégias que levaram os enfermeiros a vencerem as suas dificuldades: “estar sempre presente (...) vencer os meus medos, pois procurei na leitura” (E 5); “formar-me como pessoa”
(E 5). Assim, a importância de estar com a pessoa em fim de vida no
momento da sua morte e a sua contribuição para desmistificar os seus
medos, bem como as leituras, sendo uma referência o livro “Paula”, de
Isabel Allende. Noutras situações, os enfermeiros aprenderam a estar
com a morte observando os colegas mais velhos e ouvindo o relato das
suas experiências: “ouvir experiências de pessoas mais velhas, ajudou-me” (E 8).
PRINCIPAIS CONCLUSÕES
Neste
estudo, os enfermeiros consideraram que a pessoa em fim de vida é um
ser em relação: quem cuida dela e a acompanha no seu processo de morrer
sabe como pode ajudá-la a enfrentar a sua morte. Por sua vez, quando a
pessoa em fim de vida sente que é aceita como pessoa por aqueles que
cuidam dela, quando sente que não a deixarão sofrer, que tem alguém
sempre presente, como sejam os familiares que partilham entre eles o
seu acompanhamento, a pessoa morre serena.
O enfermeiro ao ver a
pessoa em fim de vida como alguém que não pode autocuidar-se e que não
consegue expressar as suas necessidades e desejos, consideraa
totalmente dependente de si. E, ao cuidar dela, quer se encontre
consciente ou inconsciente, dependente ou independente, o principal
objetivo é proporcionar-lhe conforto. Na hora da morte, o enfermeiro
gostaria de lhe ler um livro, pôr-lhe uma música, falar-lhe das coisas
boas da vida, mas não o faz para não se sentir ridicularizado por
alguns colegas. Contudo, os enfermeiros estão conscientes que cuidam da
pessoa o melhor que podem, por vezes, à custa do seu próprio
sofrimento. Desse modo, sentem-se, frequentemente, confrontados com os
seus próprios sentimentos que, na fase inicial da vida profissional,
levava-os a ter uma atitude rotineira e de distanciamento face à morte.
O
contexto influencia a forma como o enfermeiro está com a pessoa em fim
de vida, por tal razão é fundamental a existência de uma cultura
organizacional, em que os gestores valorizem modelos de cuidados em que
o interesse pela doença não pode superar o interesse pelo doente.
Salientei que, para os enfermeiros, cuidar da pessoa em fim de vida é
um processo de aprendizagem. Nesse sentido, constatei que o
desenvolvimento pessoal e profissional que os sujeitos do estudo
adquiriram os leva a uma “outra” dimensão: “ser enfermeiro”. Assim, o
processo de transformação de perspetivas obtido só é possível devido à
forma consciente e crítica com que desconstruíam “o que” e “como o
faziam”. De fato, as aprendizagens do quotidano não são vistas como
cumulativas, mas sim capazes de promover uma critíca e,
consequentemente, transformação. Realço, ainda, que as experiências de
familiares/pessoas significativas não são determinantes para bem cuidar
da pessoa em fim de vida.
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dos professores. Revista de Educação. 1998; vii (2): 53-62.
1 No
trabalho desenvolvido por Benner (9), “From Novice to Expert:
Excellence and Power in Clinical Nursing Pratice”, a autora refere que
os requisitos de perícia no desempenho da atividade profissional
sustentam-se na experiência e na educação. Acrescenta que, de acordo
com o modelo de “Aquisição de Perícia”, de Dreyfus (modelo adaptado à
enfermagem que ajuda o enfermeiro a entender as diferenças entre o
enfermeiro experiente e o principiante), a pessoa passa através de
cinco níveis de proficiência: principiante, principiante avançado,
competente, proficiente e perito.
2 Apenas
três enfermeiros reuniam todos os critérios definidos, por esse motivo
se optou por incluir outros enfermeiros que não contemplavam o
critério: “Terem vivido a experiência da morte de uma pessoa
significativa”, por sugestão dos orientadores.
Por “pessoa
significativa” considerei aquela que, devido às suas caraterísticas
pessoais, sendo familiares ou não do enfermeiro, tinha impacto no
desenvolvimento do enfermeiro.
3 Durante as entrevistas, procurei manter
uma relação empática demonstrando interesse por tudo o que os
enfermeiros partilhavam conosco. Considero que essa forma de estar foi
facilitada pela minha experiência profissional, o que contribuiu para
que estivesse muito atenta aos seus discursos, de modo que percebessem
que o que diziam era muito significativo. Também, pretendi ter presente
que é importante o distanciamento para o participante, para que tenha a
oportunidade de dizer o que, de fato, quer efetivamente dizer,
deixando, assim, espaço para permitir a capacidade reflexiva de cada um
deles.
4 O enfermeiro que pretenda “caminhar e progredir” implica:
– “conhecimento da natureza humana, científica e técnica em relação com a saúde;
– domínios dos apoios necessários à prática de enfermagem;
– situar a sua acção na equipe pluridisciplinar;
– um lugar deixado à intuição;
–
a capacidade de ir ao encontro do outro, de tecer laços de confiança e
de caminhar com ele no âmbito de um projeto de cuidados;
– tender para a autonomia e favorecer a dos outros;
– revelar uma presença de enfermagem”.
5
Parti do pressuposto de que “as competências se desenvolvem a partir de
experiências-chave do itinerário pessoal e profissional de cada pessoa,
podendo ser desenvolvidas por atividades de trabalho, de formação e
ligadas à vida social e familiar” (17). Nesse contexto, a autora
desenvolve o conceito de atitude à autoformação, a competência-chave da
formação contínua, que é entendida como a capacidade que uma pessoa tem
de fazer um exame crítico e compreender o que se passa no local de
trabalho; essa capacidade de julgamento pessoal é o que orienta todas
as outras atividades, baseadas na compreensão e no conhecimento prático
pelos indivíduos. Nesse sentido, as competências que se exigirão dos
indivíduos do amanhã, para além das técnicas e da experiência, serão:
flexibilidade, responsabilidade e as capacidades de tomada de decisão,
de iniciativa, de planificação, de comunicação e de cooperação.
6
A experiência implica a pessoa na sua globalidade. Dessa forma, o
sujeito deve pôr-se em questão através das suas experiências, de modo a
desenvolver uma atitude reflexiva, capaz de o direcionar para um novo
sentido. Assim, a formação pela experiência é um processo por meio do
qual o conhecimento se elabora, partindo de uma situação concreta,
permitindo avançar na vida.